Kant marca uma ruptura definitiva na história do pensamento. Se antes dele a filosofia buscava certezas absolutas sobre o mundo, a alma e Deus, com Kant nasce uma nova consciência: a razão humana não é soberana sobre o mundo, ela é mediadora.
Pela primeira vez, o ser humano se percebe não como mero observador da realidade, mas como construtor dela. O mundo não é algo que simplesmente se apresenta diante de nós. Antes, ele é filtrado, organizado e estruturado pelas próprias engrenagens internas da mente humana. É o nascimento daquilo que podemos chamar de uma relatividade do pensamento humano.
Kant afirma: não vemos as coisas como são em si, mas como elas aparecem a nós, moldadas pelas formas universais do nosso entendimento — tempo, espaço, causalidade. A realidade que conhecemos é, portanto, uma construção conjunta entre aquilo que vem de fora (os dados sensíveis) e aquilo que nossa mente oferece (as categorias do entendimento).
É nesse contexto que surge um dos conceitos mais revolucionários da filosofia moderna: o juízo sintético a priori.
Se, por um lado, nossa mente organiza o mundo a partir de estruturas internas, por outro, esses juízos são capazes de gerar conhecimento novo, aplicável à realidade concreta, e ao mesmo tempo, válido de forma universal. É a ponte invisível entre o que é da carne e o que é da ideia, entre o sensível e o transcendental.
Mas, e Deus?
Aqui, Kant oferece uma resposta desconcertante para seu tempo. Diferente dos filósofos anteriores, ele declara que a existência de Deus não pode ser comprovada pela razão pura. Nenhum argumento lógico, nenhum silogismo, nenhuma dedução pode alcançar aquilo que está além da própria experiência possível.
Deus, para Kant, não é um objeto do conhecimento — é um postulado da razão prática.
Em outras palavras, não cremos em Deus porque podemos prová-lo, mas porque sua existência se torna uma necessidade ética. Sem Deus, sem a ideia de uma ordem moral suprema e da imortalidade da alma, a própria noção de justiça plena perde seu sentido.