A neurobiologia dos sonhos: uma controversa de tirar o sono!

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Para cada duas horas que uma pessoa está acordada e interagindo com o
mundo, o cérebro, em média, precisa ficar “offline” por uma hora – desconectado do
mundo exterior – para processar e contextualizar essas experiências.
O sono beneficia a memória de inúmeras maneiras. Para habilidades
processuais simples – como andar de bicicleta ou distinguir entre diferentes moedas
no bolso – uma noite de sono ou um cochilo à tarde após o aprendizado leva a uma
melhoria dramática no desempenho. O sono também estabiliza as memórias
verbais, reduzindo sua suscetibilidade à interferência e deterioração, processos que
facilmente levam ao esquecimento.

O cérebro quando dormimos não pode acessar e incorporar memórias
episódicas completas (ou seja, memórias de eventos reais em nossas vidas), de
modo que a exploração associativa dos sonhos é limitada a memórias semânticas e
não declarativas (ou seja, memórias relacionadas ao conhecimento geral do mundo
e aquelas adquiridas e usadas inconscientemente, respectivamente). Em outras
palavras, enquanto imaginar e planejar durante a vigília é normalmente baseado em
eventos evocados, a construção narrativa durante o sonho é baseada em
associações semânticas desses eventos, dando aos sonhos sua qualidade
metafórica e permitindo uma investigação mais ampla dos vínculos associativos.

Como o sonho acontece?

A Teoria da Simulação de Ameaças sugere que o sonho deve ser visto como
um antigo mecanismo de defesa biológica que forneceu uma vantagem evolutiva
por causa de sua capacidade de simular repetidamente eventos ameaçadores
potenciais – aprimorando os mecanismos neurocognitivos necessários para a
percepção e a prevenção eficientes de ameaças.
Outra teoria neurobiológica proeminente do sonho é a Hipótese da Síntese
de Ativação, que afirma que os sonhos na verdade não significam nada: são apenas
impulsos cerebrais elétricos que extraem pensamentos e imagens aleatórios de
nossas memórias. Mas quando e como, biologicamente falando, os sonhos
acontecem, ou melhor, são construídos?

Existe um fenômeno conhecido como sono REM (sigla inglês para
Movimento Rápido dos Olhos), um estágio em que os olhos se movem rapidamente
e a maioria dos sonhos ocorre. Acredita-se que, enquanto dormimos,
experimentamos o REM para fornecer oxigênio bastante necessário à córnea do
olho. Sugere-se que o humor aquoso (líquido aquoso claro na câmara anterior logo
atrás da córnea) precisa ser “agitado” para trazer oxigênio para a córnea.

Os sonhos são reações a estímulos aleatórios do sistema nervoso, que o
cérebro “interpreta” como imagens bizarras e outras alucinações sensoriais. A
Hipótese de Síntese de Ativação assume que os sonhos são tão significativos
quanto podem ser sob as condições adversas de trabalho do cérebro no sono REM.
A razão pela qual o conteúdo dos sonhos muitas vezes parece desorientado e/ou
sem sentido é porque a parte ativa do cérebro faz o possível para atribuir significado
aos sinais gerados internamente pelo cérebro.

Áreas do cérebro envolvidas no sonho

Técnicas modernas de imagem cerebral surgiram como ferramentas
essenciais para entender melhor os mecanismos neurais do sonho. Agora, é
possível capturar mudanças mais transitórias e dinâmicas da atividade cerebral com
alta resolução anatômica principalmente por estudos de ressonância magnética
funcional (do inglês MRI).
Isso pode ser feito através dos sonhos REM que apresentam o conhecimento
atual dos correlatos cerebrais do sonho. Todo o cérebro está ativo durante os
sonhos, e a maioria dos sonhos ocorre durante o sono REM, mas também no sono
não REM. Notavelmente, o sistema límbico no mesencéfalo que inclui a amígdala
lida com emoções tanto na vigília quanto no sonho, e está principalmente associado
ao medo. Em relação ao córtex, ele é responsável pelo conteúdo dos sonhos, mas
algumas partes dos lobos frontais são menos ativas. Além disso, características
específicas do sonho sugerem a ativação de regiões específicas do cérebro durante
o sono.
Com base em dados de neuroimagem, esse conteúdo altamente visual dos
sonhos depende da atividade generalizada ao longo das regiões visuais
occipitais-temporais.. Além disso, relata-se que o sonho também contém um
componente motor significativo, que é consistente com a ativação em regiões
motoras durante o sono REM. Várias regiões são significativamente hipoativas
durante o sono REM quando comparadas à vigília, em particular o córtex pré-frontal
dorsolateral, córtex orbitofrontal, giro do cíngulo posterior, pré-cúneo e córtex
parietal inferior. Desta forma, o sono REM apresenta uma profunda falta de memória
de trabalho, orientação e lógica com desativação pré-frontal e parietal. Isso explica o
por quê geralmente os sonhos são ilógicos!

Memória e sonho

Embora as experiências de vigília (acordado) não sejam fielmente repetidos
em sonhos, sabe-se que eventos e memórias que começam no período de vigília
podem ser fundidos em sonhos, e essas integrações podem ser uma duplicação
exata do que aconteceram na vida real, ou, mais frequentemente, podem ser parcial
ou indireta. No entanto, como um todo, os mecanismos neurais subjacentes à
regulação da memória durante o sono ainda não são totalmente compreendidos.

REFERÊNCIAS

GOMES, Marleide da Mota. Unveiling sleep mysteries: neurobiology of dreaming.
Rev. Bras. Neurol., [s. l.], v. 56, ed. 2, p. 35-44, 2020. Disponível em:
http://www.dreamscience.org/wp-content/uploads/2019/07/Hoss-2013-Neurobiology
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STICKGOLD, Robert; ZADRA, Antonio. The Biological Function of Dreams: The
scenarios that run through our sleeping brains may help us explore possible
solutions to concerns from our waking lives. [S. l.], 2020. Disponível em:
https://www.the-scientist.com/reading-frames/opinion-the-biological-function-of-drea
ms-68184.

THE BIOLOGY of dreaming: a controversy that won’t go to sleep. [S. l.], 2020.
Disponível em: http://www.columbia.edu/cu/21stC/issue-3.4/breecher.html.
THE PSYCHOLOGY of Dreams: Inside the Dream Mind. Psychology News: Brescia
University, 2016. Disponível em:
https://www.brescia.edu/2016/09/psychology-of-dreams/