Nos últimos anos, a segregação de classes deixou de se expressar apenas em signos clássicos como o carro do ano, a casa em condomínio fechado ou a roupa de grife. O novo símbolo de status é mais sutil, mas não menos excludente: é o estilo de vida saudável e espiritualmente “elevado”. Uma rotina regada a sessões de terapia, alimentação orgânica, retiros de autoconhecimento e corpos moldados com disciplina e suporte – tudo isso se tornou o novo luxo.
Se antes a ostentação era exclusiva da burguesia, hoje ela é mais difusa. A cultura periférica – principalmente por meio do funk e de influências estéticas como o “estilo mandrake” – reivindicou o direito de ostentar: tênis caros, joias, carros. A estética do consumo foi democratizada visualmente, mesmo que não economicamente. Diante disso, as elites precisaram reinventar seus marcadores de classe. E encontraram no “viver bem” um novo código de distinção.
Mas essa vida saudável é, na verdade, um produto caro. Manter uma alimentação “limpa”, fazer acompanhamento com nutricionistas, pagar terapeutas particulares, frequentar academias boutique ou participar de retiros espirituais com diárias que ultrapassam um salário mínimo são práticas inacessíveis para a maioria. A espiritualidade também foi capturada por essa lógica. Tornou-se uma performance, um lifestyle que vende uma ideia de “ser elevado” enquanto perpetua as mesmas estruturas de privilégio.
Nessa nova estética da abundância, até a comida virou acessório. Fotos de tigelas perfeitamente montadas com frutas exóticas, cafés com arte no leite e pratos minimalistas com ingredientes impronunciáveis são postadas como troféus. A comida não é mais apenas alimento: é uma declaração de status. Ao mostrar o que comem – e o que deixam de comer – essas pessoas comunicam o quanto têm controle sobre seus corpos e suas vidas. Mas, sobretudo, comunicam poder: o poder de escolher, de recusar, de desperdiçar.
Esse desperdício, aliás, é parte do espetáculo. É a versão moderna da fartura dos banquetes aristocráticos: comida que não mata a fome, mas enfeita; alimentos que mais enchem o feed do que o estômago. A burguesia veste a comida como joia, como quem diz: “posso pagar para brincar com o que outros imploram por ter”.
No fim das contas, a nova espiritualidade e o novo culto à saúde não estão dissociados do capitalismo, mas o alimentam. Em vez de inclusão, promovem distinção. Em vez de cura coletiva, reforçam a lógica do mérito individual: quem não consegue viver assim é porque não se esforçou o suficiente. Esquecem – ou fingem esquecer – que autocuidado, saúde mental e bem-estar não são apenas escolhas pessoais, mas privilégios estruturais.
E assim, a nova segregação se esconde por trás de discursos de amor-próprio e evolução espiritual, enquanto reafirma silenciosamente quem pode ter acesso ao luxo de cuidar de si – e quem segue sobrevivendo, à margem.