Células: A linguagem mais complexa do mundo?

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Você é feito de células. Seus músculos, órgãos, pele e cabelo. Elas estão em seu sangue e em seus ossos. As células são robôs biológicos. Elas não querem nada, elas não sentem nada. Elas nunca estão tristes ou felizes. Elas apenas estão… aqui e agora. Elas são tão conscientes quanto uma pedra, uma cadeira ou uma estrela de nêutrons. As células apenas seguem sua programação que vem evoluindo e mudando há bilhões de anos, moldada pela seleção natural.

Elas são máquinas impossíveis, no entanto, aqui estão elas, movidas inteiramente pelas forças fundamentais do universo. A menor unidade da vida, bem na fronteira onde a Física se torna Biologia! Para entender de uma maneira verdadeiramente incrível como algo funcional, você precisa prender a respiração e mergulhar fundo. Então, bora adentrar as unidades fundamentais da vida e entender o que é uma célula e como funciona sua linguagem de programação e comunicação!

Analogia

Olhe ao redor da sala/quarto que está sentado(a) agora. Vamos enchê-lo totalmente com trilhões de grãos de areia, bilhões de grãos de arroz, centenas de milhares de uvas e dezenas de melancias. É assim que o interior de suas células se parecem.

Em termos numéricos, a maior parte de uma célula é preenchida com moléculas de água – os grãos de areia. A água dá ao interior das células a consistência de uma geléia e permite que outras coisas se movimentam ao redor facilmente. Quase todas as outras coisas, o arroz e frutas, são proteínas.  Alguns bilhões, no total, mais de 10 mil tipos diferentes; dependendo da função da célula.

Suas células são basicamente proteínas robóticas. Na verdade, todas as partes sólidas do seu corpo que não são feitas de gorduras são em maioria feitas de proteína – até seus ossos. Proteínas são coisas mortas que fazem a vida acontecer. Mas como isso acontece?!

A linguagem da vida

As células precisam fazer muitas coisas difíceis para ficarem vivas: conseguir comida e descartar resíduos, crescer e construir estruturas, escapar de perigos e reagir a estímulos, fazer cópias de si mesmo e assim por diante… Tudo isso é feito falando a língua da vida. E as palavras dessa língua são as proteínas. Aqui vai um ‘resumo’ de como isso funciona:

Tudo começa com aminoácidos, pequenas moléculas orgânicas. Eles são o alfabeto da língua da vida. Existem 21 diferentes, como 21 letras diferentes. Aminoácido A, B, C.. e por aí vai.  Se você colocar 50 aminoácidos juntos  eles formarão uma proteína, que, na linguagem da vida, equivale a uma palavra. E, se você colocar muitas dessas palavras/proteínas juntas, elas formarão uma frase chamada de via biológica. Bora simplificar um pouquinho mais e dizer, por exemplo que, suas células precisam quebrar açúcar com a linguagem da vida. Deve ser usado os aminoácidos q,u, e, b, r, a, para formar a proteína “quebra”. Ai, combine essa palavra com outra palavra para formar uma via biológica ‘frase’ que significa “quebre o açucar”. Na realidade esta linguagem da vida é tão complexa que desafia a imaginação. Você precisa saber sobre cerca de 8 mil palavras para falar uma língua humana muito bem. Mas na linguagem da vida existem cerca de 20 mil. E, enquanto as palavras portuguesas têm em média 6 letras, as proteínas têm cerca de 375 aminoácidos (a maior proteína tem mais de 30 mil!).

Trabalho e mais trabalho

As células precisam executar milhares de passos a qualquer momento! Se pararem por um instante de falarem a linguagem da vida, elas morrem. Ok, mas como uma célula sem mente ‘conversa’ uma língua tão complexa?! Bora aprofundar mais um pouquinho.

Como já mencionado, existem cerca de 21 aminoácidos que se combinam em proteínas. E as proteínas são feitas de dezenas a milhares de aminoácidos. Para o comprimento médio de uma proteína de uma célula humana de 375 aminoácidos, você chega a incríveis 6,8 x 10^495 possíveis proteínas que uma célula pode criar: um googol (10^100) google google google quatrilhões de vezes mais do que existem átomos no universo. A maioria dessas possíveis proteínas são inúteis.

Assim como a língua humana, a maioria das combinações de letras e/ou palavras aleatórias não produziram sentido. Então você precisa saber qual palavra, qual proteína constrói uma língua que possa ser falada apropriadamente. E esse é o trabalho do nosso DNA, uma longa sequência de instruções. Se você desemaranhar-se o DNA de uma célula, ele teria cerca de 2 metros de comprimento! Todo o seu DNA combinado em uma longa corda chegaria ao Sol ida e volta 20 vezes!

Cerca de 1% do seu DNA são feitos de genes – que são basicamente dicionários de proteínas que contém todas as palavras da linguagem da vida que suas células podem ‘falar’. Mas os genes também são manuais de construção para todas as proteínas que suas células precisam botar para funcionar. O resto do seu DNA não é inútil, mas basicamente um punhado de regras. É como o livro de gramática da linguagem da vida: qual proteína deve ser produzida, e em que momento, quantas de uma mesma proteína deve ser produzida, quais proteínas devem ser produzidas juntas e por que.

Ótimo! Letras, palavras, frases, dicionário e gramática. Mas claro que isso é apenas uma metáfora para algo extremamente complexo. Bora mais uma vez aprofundar um pouquinho mais, para ter um vislumbre da realidade.

Como proteínas mortas criam vida?

Agora que temos alguns princípios básicos, temos a chance de entender como coisas mortas criam vida. E para isso nós precisamos de uma força fundamental do universo: eletromagnetismo. As partículas elementares que se tornam átomos, os quais criam aminoácidos,  possuem cargas diferentes que atraem e repelem umas às outras. Os 21 aminoácidos diferentes possuem cargas um pouquinho diferentes. Algumas mais positivas, outras mais negativas. Quando suas células criam proteínas, elas juntam aminoácidos diferentes em uma longa ‘corda’.

Aí, por conta dessas diferentes cargas presentes nos aminoácidos, essas ‘cordas’ se enrolam em torno de si mesmas. Esse processo, chamado de folding, é complexo e ainda não foi completamente entendido como exatamente funciona. Mas resumindo, ‘cordas’ de em uma dimensão se tornam uma estrutura tridimensional. As proteínas são basicamente quebra-cabeças 3D com formatos bem específicos. No mundo das proteínas, formato é tudo! Simplesmente por que esse formato 3D determina em qual área de uma proteína outra irá se encaixar.

Quando alguma proteína se une a outra, sua carga muda novamente, e isso pode fazer seu formato mudar novamente, e assim… fazer com que outra proteína se una a ela e por aí vai… É isso que faz as proteínas serem incrivelmente fod@s. Basicamente você pode fazer qualquer coisa com elas! Elas se unem como peças de lego para criarem estruturas complexas: transferir informações, criar tecidos, criar órgãos, anticorpos, enzimas, etc e tal.

Concluindo

Quase tudo no universo revela camadas de complexidade se você bem de perto (e se você possuir o conhecimento para entender). Obrigado e parabéns por chegar até aqui. Até a próxima! 🙂

Referências:

 

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THE MOST Complex Language in the World. [S. l.]: Kurzgesagt – In a Nutshell, 14 fev. 2023. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=TYPFenJQciw.