Da Detecção Olfativa à Construção Mnemônica

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Anteriormente, falamos sobre como a visão acontece. Agora, trago o funcionamento do olfato; como funciona o “cheiro”.

A percepção olfativa, um processo bioquímico-eletrofísico-fisiológico complexo, inicia-se quando moléculas voláteis, transportadas pelo ar, alcançam o epitélio olfativo na cavidade nasal superior. Este tecido, ricamente inervado e vascularizado, abriga células receptoras olfativas específicas, cada uma expressando um único tipo de receptor proteico na sua superfície. Essa especificidade permite a detecção de uma ampla variedade de substâncias químicas odoríferas presentes no ambiente.

Ao se ligarem a esses receptores, as moléculas odoríferas desencadeiam uma cascata de eventos bioquímicos intracelulares. Primeiramente, a ligação do odorante ao receptor ativa uma proteína G, que, por sua vez, estimula a produção de um segundo mensageiro, geralmente o AMP cíclico (cAMP). O aumento do cAMP na célula leva à abertura de canais iônicos na membrana celular, resultando em uma alteração do potencial de membrana. Essa mudança gera um sinal elétrico que se propaga ao longo do axônio da célula receptora até o bulbo olfativo no cérebro.

No bulbo olfativo, os sinais elétricos são transmitidos a neurônios de segunda ordem, que reformatam e refinam as informações antes de enviá-las para outras áreas cerebrais, incluindo o córtex olfativo primário e o sistema límbico. O córtex olfativo primário desempenha um papel fundamental na identificação e discriminação dos odores, enquanto o sistema límbico, especialmente a amígdala e o hipocampo, está envolvido na avaliação emocional dos odores e na formação de memórias associadas a eles.

Este intricado processo bioquímico-eletrofísico não só possibilita a percepção de uma vasta gama de odores, mas também a associação desses odores com experiências passadas e contextos emocionais. A capacidade única do olfato de evocar memórias e emoções de forma poderosa está intrinsecamente ligada à sua conexão direta com áreas cerebrais responsáveis pelas emoções e pela memória de longo prazo. Tal fenômeno destaca a importância do olfato na experiência humana, influenciando profundamente nossas interações sociais, comportamentos alimentares e respostas a potenciais ameaças, além de desempenhar um papel vital na nossa capacidade de recordar o passado.

Glossário

AMP cíclico (cAMP): Um segundo mensageiro intracelular importante em diversas vias de sinalização biológica. O cAMP é sintetizado a partir de ATP por uma enzima chamada adenilato ciclase, ativada por proteínas G em resposta à ligação de um ligante a um receptor celular. Este composto desempenha um papel crucial na transdução de sinal, mediando os efeitos de vários hormônios e neurotransmissores.

Amígdala: Uma estrutura localizada profundamente no lobo temporal do cérebro, parte do sistema límbico. A amígdala é essencial para o processamento de emoções, especialmente o medo e a agressão, além de estar envolvida na formação de memórias emocionais

Bulbo olfativo:Estrutura localizada na parte frontal do cérebro, responsável por receber e processar as informações olfativas vindas das células receptoras olfativas na cavidade nasal. O bulbo olfativo atua como uma estação de retransmissão, enviando sinais olfativos para outras áreas do cérebro, incluindo o córtex olfativo primário e o sistema límbico.

Canais iônicos: Proteínas transmembranares que permitem a passagem seletiva de íons específicos através da membrana celular. A abertura e fechamento desses canais alteram o fluxo de íons, modulando assim o potencial de membrana. Eles são cruciais para a geração e propagação de sinais elétricos em células excitáveis, como neurônios.

Córtex olfativo primário: Região do cérebro que recebe sinais olfativos do bulbo olfativo para processamento adicional e identificação de odores. Desempenha um papel fundamental na discriminação consciente de odores e na percepção olfativa.

Hipocampo: Uma estrutura localizada no sistema límbico, crucial para a formação de novas memórias e para o aprendizado. O hipocampo está envolvido na consolidação de informações da memória de curto prazo para a memória de longo prazo e na orientação espacial.

Potencial de membrana: A diferença de potencial elétrico entre o interior e o exterior de uma célula. Esse potencial é crucial para a função de células excitáveis, como neurônios e células musculares, permitindo a geração e propagação de sinais elétricos.

Proteína G: Uma família de proteínas que atuam como intermediárias na transdução de sinal de receptores acoplados à proteína G (GPCRs) para efetores intracelulares, como enzimas e canais iônicos. As proteínas G são ativadas pela ligação de um ligante ao receptor, desencadeando uma cascata de sinalização que resulta em uma resposta celular.

Sistema límbico: Um conjunto complexo de estruturas cerebrais localizadas abaixo do córtex cerebral, envolvido no processamento de emoções, comportamento e memória. Inclui estruturas como o hipocampo, a amígdala e o cíngulo, desempenhando um papel central na formação de memórias emocionais e na regulação do estado emocional.