Sinestesia – Uma nova evolução humana?

Loading

Você já pensou na sua percepção visual? Como você percebe o mundo? Você vê as coisas como as outras pessoas? Por exemplo, quando você vê a letra A, o que exatamente você está percebendo? Você provavelmente está vendo linhas retas em diferentes orientações que se cruzam em locais específicos, você vê a cor preta e a localiza em uma parte específica de um papel. Além disso, você o identifica como um símbolo, atribui um som a ele, sabe que é a primeira letra do alfabeto e provavelmente ativa uma rede semântica incluindo palavras como “abelha” e “arte” ou “árvore”. Então, como é possível percebermos esse estímulo (“A”) e todas essas características simultaneamente? O que está acontecendo em nosso corpo?

A resposta é que nossos olhos, e principalmente nossas retinas, são sensíveis às variações da luz ambiental e enviam informações para uma parte do nosso cérebro chamada tálamo. Células no tálamo enviam essas informações para o córtex visual primário no lobo occipital onde células específicas processam características específicas, como forma e cor, que serão integradas novamente em outras áreas do córtex cerebral. Do lobo occipital, esses sinais viajam por diferentes caminhos: o fluxo dorsal que nos ajuda a localizar objetos no espaço e interagir com eles, e o fluxo ventral que nos permite identificar objetos e integrar esta informação com o nosso conhecimento prévio do mundo.

Essa descrição linear parece direta, né? Estímulos externos atingem partes específicas do nosso corpo que apresentam funções específicas, e uma representação interna é criada, e então uma resposta é dada. Mas tem um porém, nosso corpo não é um receptor passivo de estímulos, é  uma estrutura ativa (uma estrutura viva!) que por sua vez interpreta o que percebe a partir de suas próprias necessidades. Diferentes sistemas do nosso corpo (o sistema nervoso, o sistema endócrino, o sistema imunológico…) trabalham juntos para nos tornar eficientes em nossa interação com o mundo externo.

Curiosamente, algumas pessoas percebem cores específicas para letras e números específicos (ou seja: azul para o número 5, branco para a letra O). Este fenômeno é chamado de sinestesia. As sinestesias são percepções adicionadas que aparecem automaticamente em resposta a tipos específicos de estímulos e só são possíveis quando a especificidade sensorial é desenvolvida ou… quando o indivíduo está sob efeito de alguma substância psicodélica.

Neuroquímicamente falando (mecanismos de ativação)

Existe a teoria de que temos muitas conexões ao nascer e que estas são reduzidas durante a infância, restando apenas as ligações funcionais necessárias e mais eficientes. Dado que a sinestesia possui um fator de hereditariedade, essa teoria sugere que genes podem levar a uma falha de poda sináptica, de forma que as regiões adjacentes do cérebro no giro fusiforme permaneçam conectadas, mesmo em adultos, levando a ativação cruzada entre tais regiões. Ao final do desenvolvimento cerebral, cada área cortical sensorial se especializa no processamento de informações sensoriais específicas – o córtex auditivo responde à entrada de um estímulo sonoro nos ouvidos, por exemplo.

Assim, essa teoria baseia-se no fato de que as áreas corticais sensoriais não sejam, no cérebro prematuro, tão especializadas como elas se tornam no cérebro adulto. Em vez disso, existem ligações temporárias entre áreas corticais sensoriais que são podadas durante a infância e dependentes da experiência. Sendo assim, há uma concordância sobre uma superabundância de conexões entre áreas corticais sensoriais na primeira infância e que a poda é dependente da experiência; assim, a ativação cruzada seria preexistente.

A teoria da sinestesia neonatal afirma que, até cerca de 4 meses de idade, as crianças experimentam estímulos sensoriais em um caminho indiferenciado, por exemplo, o fato dos sons poderem resultar em sensações auditivas, visuais e táteis. Mais tarde, com o desenvolvimento padrão dos sentidos, os estímulos sensoriais diferenciam-se, e o processamento sensorial torna-se específico. Logo, a sinestesia ocorre quando essa diferenciação é incompleta, deixando associações cruzadas entre dois ou mais sentidos.

Expressão de Sentidos

A sinestesia é um fenômeno em que uma propriedade sentida evoca automaticamente a sensação de outra propriedade. Por exemplo, um compositor finlandês chamado Jean Sibelius relatou que, quando olhava para um objeto colorido em verde, ouvia em sua cabeça um acorde de fá maior. Outra pessoa a relatar algo parecido foi o  físico Feynman (em 1988) que relatou em sua autobiografia que sempre que via equações ele as via em cores (apesar dos símbolos alfanuméricos serem acromáticos, ou seja, sem cores). As condições desses indivíduos são hoje chamadas de sinestesia grafema-cor e sinestesia música-cor, respectivamente.

Estudo sobre Sinestesia entre imagem e som

Os relatos fenomenológicos desses sinestesistas têm em comum que, sempre que um objeto visual era visto em movimento (por exemplo, um pássaro voando, uma bola quicando, um cavalo galopando, um homem correndo), mesmo em exibições silenciosas, sua percepção visual era acompanhada por sons característicos que correspondia de perto ao movimento em velocidade de mudança.

Os pesquisadores resolveram então fazer um estudo de imagem, ou seja, ressonância magnética, para ver e entender como funciona a atividade cerebral desses sinestesistas em comparação com aqueles que não possuem, digamos assim, esse ”dom”. A pesquisa foi realizada com 3 sinestesistas e 18 pessoas sem esses “dom”. Nenhum desses 21 participantes tinha um histórico de distúrbios neurológicos ou psiquiátricos.

A análise revelou que os sinestesistas têm massa cinzenta aumentada no tronco cerebral em uma área que compreende os colículos inferior e superior. Os colículos superiores recebem informações visuais e os colículos inferiores fazem parte da via auditiva.

Psicodelicamente falando

A psilocibina, o ácido lisérgico, a dimetiltriptamina, e a mescalina por exemplo, quando ingeridas atuam sobre os receptores do cérebro, induzindo efeitos psicodélicos. Ela ativa os receptores de serotonina principalmente no córtex pré-frontal. Essa parte do cérebro afeta o humor, a cognição e a percepção e acaba “ativando” a sinestesia por fazer com que diversas partes do cérebro fiquem ativa ao mesmo tempo.

Embora alguns pesquisadores contemporâneos pareçam estar intrigados com os efeitos sinestésicos dos psicodélicos, isso mais uma vez não tem sido um foco predominante do campo, já que focam no uso dessas substâncias no tratamento de psicopatologias.

Sinestesia x Realidade  

Podemos dizer que a realidade na verdade é uma alucinação da verdadeira realidade, e quando em efeito de psicodélicos essa alucinação sai do padrão “normal” para uma alucinação mais aguçada; com diversas partes da mente conectadas ao mesmo tempo. Até porque, tudo que vemos e percebemos no dia a dia nada mais é que uma interpretação do mundo ‘realmente real’: uma interpretação que o cérebro nos dá informações eletromagnéticas que ele recebe do ambiente externo. Talvez nunca teremos acesso realmente à verdadeira realidade porque primeiramente nosso cérebro interpreta tudo antes de dar um feedback.

E para você, a realidade se relaciona com a sinestesia? O que é realidade?!

Referências

ADAY, Jacob S. et al. Psychedelic drugs and perception: a narrative review of the first era of research. Reviews in the Neurosciences, [s. l.], v. 32, ed. 5, p. 559-571, 2020. Disponível em: https://www.degruyter.com/document/doi/10.1515/revneuro-2020-0094/html.

COELHO, Joana. Psilocibina: A substância mágica dos cogumelos. ECycle, 2020. Comportamento. Disponível em: https://www.ecycle.com.br/psilocibina/.

DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA (São Paulo). UNIFESP (ed.). Perturbadores (alucinógenos) sintéticos. CEBRID, 2020. Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas. Disponível em: https://www2.unifesp.br/dpsicobio/cebrid/folhetos/perturbadores_.htm. Acesso em: 29 dez. 2022.

FERREIRA, Marta Leite. Cheirar o som do verde com sabor a macio: Mulher atingida por raio ajuda a estudar a sinestesia. Observador, 14 jan. 2017. Disponível em: https://observador.pt/2017/01/04/cheirar-o-som-do-verde-com-sabor-a-macio-mulher-atingida-por-raio-ajuda-a-estudar-a-sinestesia/.

LAENG, Bruno et al. “Mickey Mousing” in the Brain: Motion-Sound Synesthesia and the Subcortical Substrate of Audio-Visual Integration. Frontiers: in Human Neuroscience, [s. l.], v. 15, n. 605166, p. 1-10, 15 fev. 2021. Disponível em: https://www.frontiersin.org/articles/10.3389/fnhum.2021.605166/full.

VII INTERNATIONAL CONGRESS “SYNAESTHESIA”, 2022, Granada & Alcalà la Real. Revisiting the emotional brain: synesthesia and the virtual world […]. Espanha: [s. n.], 2022. 8 p. Tema: Science and Art” * The digital / physical challenge *. Todo o conteúdo a seguir a esta página foi carregado por Helena Melera. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/365442195_Revisiting_the_emotional_brain_synesthesia_and_the_virtual_world.

VOLOSHINA, Liudmila A. et al. About synesthesia as a way of perception. Past and present in the philosophy of social development: Collection of Scientific Articles: Philosophy, Political Science, History, Russia, v. 2, ed. 2, p. 25-32, 2020. Disponível em: shorturl.at/juP19.